quarta-feira, 23 de junho de 2010

Pra compensar...

    Flores, perfume, brilhantina no cabelo. Era assim que ele se imaginava ao lado dela. Sorrisos distribuídos, beijos atribuídos ao céu. Ao léu. O cabelo moreno de Luana beijando a sua face branca. Os olhos como água. Um rio. Era quase possível ver a vida que existe num rio.. em seus olhos. Eles o encaravam. Flavio era hipnotizado pelo modo como Luana piscava, sem graça, quando ele a elogiava.
    O vestido dela, estampado com flores roxas, hoje jazia no fundo do armário. Um baú de lembranças que ele ousava desenterrar. Suas fotos, suas roupas esquecidas numa noite radiantemente feliz, suas cartas de amor, que terminavam num simples "é, você sabe porque eu escrevo".
    Não encontrava uma razão relativamente boa para o término. Não encontrava uma razão para Luana ter jogado tudo pro alto. Mas resolveu esquecer, ou apenas acostumar-se.
    Mas, num dia de céu azul, Flavio acordou sentindo um mal estar. Mal estar não. Como dizer? Talvez mau pressentimento. Pressentia que algo ia acontecer pra mudar a sua vida. Então, quando levantou-se da cama, e caminhou tranquilamente para a sala, viu uma coisa que explicaria o mal estar. Não era um prêmio de um milhão de reais, não era um animal raro, e muito menos um bebê abandonado em sua porta. Era um pequeno papel, dobrado, amassadinho, enfiado pelo vão da porta.
    Flavio caminhou até ele e o pegou. Suas mãos tremiam, pois ele sentia o perfume que vinha daquele pequeno papel. Ele sabia que perfume era aquele.
    Flavio... Depois de tanto tempo pensando no que escrever, eu resolvi dar a cara a tapa. 
    Ela começava assim, sempre meio grossa, desajeitada com as palavras. 
    Eu realmente não sei como te explicar. 
    Um borrão. O papel marcado como se muita coisa houvesse sido escrita ali. 
    Só quero que você saiba que não foi você, fui eu. Sempre te devi uma resposta quanto a isso, mas nunca a encontrava. Eu penso em você todos os dias, desejo você e esse seu sorriso em todos os dias nublados, que pra mim são todos.
    Flavio achou ser uma brincadeira, de muito mal gosto, mas continuou a ler a carta. 
    Não direi exatamente aonde estou. Só não quero mais que nossas vidas estejam cruzadas. Eu estou bem perto de você, todos os dias, aonde você estiver. E você vai estar comigo, pra sempre.
Se, um dia, você se perguntar o porquê, simplesmente esqueça a pergunta, e lembre-se dos bons momentos. Os anos que passamos juntos. Os dias juntos, sorrisos, piadas, brincadeiras. Eu nunca vou esquecer. Só queria dizer umas palavras boas, daquelas que a gente dizia quando se despedia. Algo como 'cuide-se, eu não quero te ver de mau humor amanhã, amor'. 
É, você sabe porque eu escrevo.


    O barulho de papel amassado tomou conta do lugar. Rasgos, soluços, era tudo o que se escutava. Um rosto molhado pela agua gelada, um pensamento que mandava todos para o inferno. Flavio então parou para pensar de verdade, e viu que aquilo era loucura. Pegou as malas, jogou uma dúzia de roupas lá dentro, trocou-se e saiu porta afora. Já dentro do carro, discou um numero de telefone.
  - Hey Vitor, aquela proposta de sair viajando contigo ainda está de pé?
Pronto. Agora ela nunca mais o encontraria. Depois de algum tempo, muitas outras cartas formariam pilhas do lado de dentro da porta. 
    Acho que descobri o quanto você faz falta. Volta?     É, você sabe porque eu escrevo.


    Até a linda moça de cabelos negros e olhos de rio perceber que as anteriores não foram lidas. Nem sequer tocadas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário