segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Rioceano

    Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano ele treme de medo.
    Olha para trás, para toda a jornada, os cumes, as montanhas, o longo caminho sinuoso através das florestas, através dos povoados.

    E vê à sua frente um oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar.
    Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. Você pode apenas ir em frente.
    O rio precisa se arriscar e entrar no oceano, e somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece.
    Porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas tornar-se oceano.
    Por um lado é desaparecimento e por outro lado é renascimento.
Assim somos nós.
    Só podemos ir em frente e arriscar.



Há de haver Coragem.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Ju

    Cantando Ana Carolina ela tem um charme incrível. Um vestido de patinhos e um sapatinho amarelo, ela segura o microfone do karaokê com a mão direita num match perfeito de firmeza e delicadeza. A moça que se apresentou como Jú pediu desculpas pela primeira vez cantando, e seu rosto deu uma coradinha de leve, mas a franja do cabelo escuro escondeu sua cara de medo do palco.
Ah, Ju. Deixa de lado essa vergonha e solta seu lado cantora de uma vez. Roda esse vestido e se joga nos solos que a música permite. Ela canta olhando pra mim, como se soubesse o que eu penso. 
    Ou ela olha pra todo mundo, como que vendo ninguém, pra disfarçar? Que a canção toque na hora errada, na hora certa, mas que você esteja aqui pra cantarolar ela no meu ouvido assim. Mesmo meio desafinado, quem se importa... Hoje em dia isso tá até na moda. Vai entender...
     Ju, não vai embora. Volta pro palco! Os seus patinhos, sapatinhos, tudinho, me chamou a atenção. E como você me chama a atenção. Se quiser eu até canto Ana contigo. Aquela lá, de amor. Sai de perto desse cara... Pediu a conta? Já vai embora?
    Foi. Até mais, Ju. Juliana? Judite? Julia? Ah, a gente se esbarra...

O barco

    O mar nos leva a caminhos inexplicáveis entre uma correnteza e outra. Um caminho tortuante, uma brisa serena, a aparição de um grupo de golfinhos. Pra apreciar a vista é só se levantar e ver. Muitos não gostam, sentem-se enjoados, mareados, pois a viagem é longa e cansativa. E custa tempo, observação, orientação pelas estrelas.
   Mas uma boa viagem só é feita por aqueles que se garantem em seus barcos. E o meu, veja bem, sei que é duro feito pedra, com uma beleza indescritível porque foi talhado pelo vento e moldado pela dureza da água do tempo batendo no seu casco a todo momento. Eu sei que nesse barco cabe muito mais do que só quilos de confiança e uma vontade de estar junto. Meu barco tá preparado pra tudo o que esse marzão tem a oferecer.

     Que venham as trombas d'água, os ataques de tubarão, as imposições do universo pro meu barco não permanecer na superfície, que eu aposto o que você quiser que ele fica. Aposto todos os peixes que nele eu pesquei, todas as sereias que um dia já avistei. Aposto os anzóis, as garrafas de água potável. Aposto-me!
      Afinal, casca grossa, meu bem, te digo que é só de primeira impressão. Esse barco, visto assim de dentro, é um baita dum iate 5 estrelas edição luxo de colecionador. Daqueles que não se revende, e que tem um nome feio que todo mundo gosta, com uma pintura meio caída de tanto navegar pelos sete mares.
     Pouco me importa, também, se um dia vai ser tornar um barco oficial intendente do ar, um barco engenheiro, um barco publicitário. O objetivo é que se imortalize de maneira que daqui a uns anos, nos reencontros marinhos, a gente possa se abraçar assim e contar do mesmo jeito que contamos hoje, de rir até doer, e passar horas discutindo sobre a pena de morte e a crise brasileira pós-ditadura militar. Que o trio de três se torne quatro, cinco. 

     Até porque, quantas criaturas do mar ainda podem adentrar nesse barco?