sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Bichose crônica

[...] O que fode a nossa vida são os eteceteras. Tenho certeza. Não sei porque a gente imagina tanto. E se machuca tanto. Surge uma colega nova e a gente pensa meu Deus, será que é gata? Surge carne nova no pedaço e a gente sente a insegurança dar uma chave de braço. E me pergunto: por quê? Você ama ele, ele ama você. O passado existiu, já era, já foi. Você tem uma relação baseada no hoje, no respeito, no carinho, no amor, na cumplicidade. Ele não é idiota, não vai jogar tudo fora por causa de um par de pernas. Então, você pensa que é uma mulher forte, uma mulher linda, uma mulher amada, uma mulher bem resolvida, uma mulher com ême. E decide mandar o pensamento embora. Mas ele volta.
    Conheço pessoas que não têm ciúme. E admiro, admiro mesmo. Já ouvi falar que ciúme é sinal de insegurança, que ciúme é imaturidade, que ciúme é bobagem. Já ouvi dizer que ciúme é prova de amor. Olha, eu não sei definir o que é o ciúme, só sei dizer que a gente fica meio cega, meio burra, meio surda e fala muita besteira. E depois se arrepende. Acho que um pouquinho de ciúme é saudável. Mas aquele ciuminho bobo, de frescurinha. Já li casos horríveis de histórias que terminaram muito mal. A gente tem que puxar o freio de mão quando vê que a coisa está indo por outro lado.
    Confesso que sou ciumenta. Não sei se muito, não sei se pouco, não sei se dá pra medir o ciúme. Sei quando exagero. Nunca fui aquela ciumenta de fazer cena, de quebrar prato, de gritar pela rua. Odeio baixaria. Acho que a gente tem que resolver as coisas com uma boa conversa. Ele nunca me deu motivo pra ter ciúme. Mas ciúme é uma coisa inexplicável, você sabe. (Clarissa Corrêa)

   O doutor deu o laudo final: problemas crônicos de bichinhos na cabeça. Aqueles que corroem, que sussurram no pé do ouvido as coisas mais absurdas em que a gente não quer pensar. Os tais bichos voltaram. Voltaram devagarinho, um por um, pra não fazer muito barulho, sem muito estardalhaço. Entraram cada um por uma orelha e se instalaram na minha cabeça de vez. Montaram barraca e trouxeram até um fogareiro a gás. Quanta ousadia!
   
Bichinhos dos mais diversos tipos, dessa vez. Que atacam a mente, o corpo, o coração. Atacam o passado, a autoestima, a felicidade daqueles que parasitam. Infelizmente, já havia dito sobre o remédio: não há. Parece que os sintomas aparecem diante de situações semelhantes: o medo de ser rejeitado, algum resquício de ciúme, um belisco de expectativas desarmadas e talvez um ambiente propício na minha cabeça. Todos os meus surtos de "bichose" se deram em respectivas circunstâncias, e um pouco da ajuda foi minha.
     Achei - jurei - que tinha me adaptado às mutações e tinha me tornado imune a todas as mordidas internas que sofria antes. Mas parece que os bichos me surpreenderam mais uma vez. Atacaram uma parte que desencadeou uma bola de neve. De uma maneira nova pra mim, estragaram meu cabelo, minha pele, adicionaram gordurinhas. Fizeram com que todas as outras mulheres parecessem mais apropriadas. Fizeram-me olhar no espelho e ver um monstro que não sabia seu lugar. Personificaram-se em mim. A bunda ficou mais caída, os peitos ficaram menores, a calça parecia que era 48 e não entrava. E todas essas mudanças apenas no espelho. Atacaram a minha autoconfiança e foi aí que o barraco desabou. Numa noite de muita chuva parece que tudo virou um lamaçal de ciúme, pensamentos negativos e um pouco de lágrimas. E levou morro abaixo a minha autoestima e minha estabilidade emocional. Só restaram destroços.
    Os desaparecidos são vários. Além de autoestima e autoconfiança, a força de vontade e a vontade de parar de chorar, entre outros. Ainda não encontraram os corpos. Mas provavelmente muitos permanecem vivos soterrados nessa lama toda esparramada por aí. Acredito eu (pelo menos a esperança se safou).
    Só me resta respirar e esperar. Segurando a minha receita médica que pede muito repouso e doses caprichadas de concentrar-me em outras coisas pra cabeça distrair-se e, assim, os bichos voltarem a dormir, do fogareiro só sobrar fumaça e a minha mente parar de coçar.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Pollyanna

    Odeio gente muito feliz. Aquelas que parecem que são felizes pra sempre. Odeio gente que acorda feliz, com cara de atriz maquiada, o café da manhã cheio de frutas e cores esperando na sala preparado por não-se-sabe-quem. Odeio gente que corre atrás de passarinhos nos parques. Passarinhos são sujos e transmitem piolhos. E eu odeio piolhos. Odeio gente que dá bom dia animado mesmo quando não queria dar bom dia nem pro espelho. Odeio gente que finge ter a vida perfeita quando é cheia de problema na família, no coração, na saúde, no bolso, e deixa todos no refrigerador. Odeio gente que só ri de piada bem formulada, e só conversa sobre as possíveis soluções pros dilemas sócio-econômicos do planeta.

    Odeio gente que fala correto e não vive o que diz. Odeio gente que maltrata velhinhos na rua. Odeio gente que coloca prendedor de roupa no rabo do gato. Odeio gente que acha um lado bom pra tudo, Pollyanna! Até tu, com os seus joguinhos do contente me irritam profundamente em dias como esse.
    Odeio gente que não vive os próprios sentimentos. Gente que força um sorriso pra não responder o que aconteceu. Odeio gente que só se acha feliz perto dos outros, e quando se encontra sozinho não sabe nem quem é. Odeio gente que não vive os próprios sentimentos, de novo. Aquelas que se sufocam e não se abrem pros outros, mas não por "não quero incomodar", e sim por orgulho, de não querer parecer fraco.
    Pra mim, sentimento tem que ser vivido. Até - principalmente, eu diria - os piores. Senão, se não gastos, eles ficam impregnados no nosso couro e lá ficam por um bom tempo. É deixando que ele se sinta reinar que faz com que ele vai embora. Chega um momento, que de tanto se encher de sentimentos ruins, eles transbordam e vão embora. É por isso que eu me afundo na deprê quando ela vem. Evito o chocolate, lógico. O verão tá aí e estudar anda aumentando o peso do meu cérebro. Mas basta uma noite bem dormida, e os pensamentos ruins se esvaem, como os passarinhos que a galera chata do parque sai correndo atrás. Tem dias que nem o jogo do contente funciona.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Dialogando

Textos de Maíra Viana Barros

    Era uma vez um amor. Entrou pela porta da frente, pedindo licença, veraneando a vida, serpenteando o coração. Veio assim ligeirinho, serelepe, versador. Foi logo preenchendo os espaços, ocupando as gavetas do armário, evidenciando a alegria em ter, à mesa, mais um prato. Chegou e foi ficando, feito um sambinha bom, desses que grudam no ouvido, sem pressa pra passar.
     Parecia que todo dia era natal. A gente acordava e se surpreendia com o outro ali do lado, como se Papai Noel tivesse nos deixado um presente ao pé da cama. Algo que, no fundo, já nos era familiar, mas nos divertíamos em fingir certo estranhamento, como se pudéssemos prolongar a durabilidade do que aquilo significava. O bom velhinho nos presenteava, toas as manhãs, conosco. Era uma felicidade repentina, solfejava vivo em nós, o tal do amor.
    Depois de algum tempo, nos cansamos dos panetones, espumantes, sorrisos. Desmontamos a grande árvore natalina, nos despimos das roupas festivas, encaixotamos aquela alegria repetitiva, onipresente, gasta. Já não havia novidade em amanhecer, pois estávamos sempre lá, um para o outro, querendo ou não, na saúde e na doença, nos invadíamos a ponto de não sabermos mais quem era quem. O amor violava os espaços, superlotava o armário do quarto, transbordava a pia em pilhas de pratos, persistia em arranhar no violão aquele seu sambinha chato.
    E foi assim miudinho, sussurrante, desertor. Saiu pela fresta da janela da área de serviço, de mau jeito, trazendo chuva pra dentro de casa.
    E era uma vez uma dor, entrando sem pedir licença, invernando a vida, serpenteando o coração. A gente acordava e se surpreendia sem o outro ali ao lado, como se o dia não tivesse permissão para começar, como se não estivesse valendo. Fechávamos novamente os olhos, cochilávamos mais dez minutos, como se pudéssemos reverter a realidade do que aquilo significava. O bom velhinho nos negava, todas as manhãs, o sonho do natal.
    Era uma agulha fina riscando a alma, a tal dor. Chegou e foi fincando, feito um chorinho triste, desses que grudam no ouvido, sem pressa nenhuma de passar.

*

    Todo dia eu acordo e me separo de você. Levanto, guardo os sonhos na gaveta da velha cômoda e troco o pijama. Saio de casa em rotineira condição. Reparo em minha própria sombra no chão e sinto falta da outra, que sempre esteve ali do lado. Como distrair o pensamento de algo que ser quer pensar, mas não se deve? Como amordaçar o que se sente, pra não mais sentir? Não sei.

    Todo dia eu acordo e me separo de você. Sigo meu caminho e busco outros prazeres. Preencho as lacunas de pensamento com chocolate e televisão. Troco os móveis de lugar para que nada me lembre o que eu não devo lembrar. E, diante do espelho, me convenço de que tudo isso é essencial. Chega uma hora, na vida, que temos que adotar certas medidas de segurança. É quando percebemos que só nós podemos nos salvar. Então, fica combinado assim: eu me salvo e você se salva. E a gente se vê qualquer dia. No último instante da história ou, quem sabe, nunca. Só em sonhos. Daqueles que guardamos nas gavetas da velha cômoda.
    Todo dia eu acordo e me separo de você. Pago contas, anoto recados, vou ao cinema, pego trânsito e pareço seguir em frente. Me separo de você e de tudo o que eu não quero mais viver. E encerro qualquer possibilidade de diálogo que possa nos fazer voltar atrás. Pois o tempo não se curva. E já não somos mais os mesmo. Faz tempo.
     E todo dia eu acordo e me separo de você mais um pouco... enquanto passam os anos... nove, dez.. o tempo sorri do meu esforço diário. E já não tenho notícias suas. E já não sei o que dizer quando me perguntam: "E fulano, que fim levou?". E percebo que aprendi a adestrar os pensamentos e lidas com as mordaças adequadas aos arredios sentimentos.
    E assim, todo dia eu acordo e me separo de você de novo. E preencho mais gavetas, com mais sonhos improváveis. Porque chega uma hora, na vida, que temos que adotar certas medidas de segurança. E ando pelas ruas somente com a minha sombra e tudo parece estar no seu lugar. Pareço seguir em frente. E, assim, vou me separando de você, em frações de tempo, todo dia de manhã, quando acordo.
    O problema é que toda noite eu adormeço e me caso com você de novo.

*

    Nada mais me pertence. Meus sonhos, meus medos, as coisas que sou e não sei, as coisas que quero e não fui. Como posso impedir o inevitável, se já não sou o que era momentos atrás? E meus pés, que fazem eles? Não me respeitam mais e lhe acompanham como se tivessem, pra sempre, sido seus. Como se atrevem, você e essas partes todas de mim? Não me reconheço mais, sabendo o que sei agora. Entendendo que o que mais quero é deixar que me leves pelo braço, flutuando nesse bosque-mar que vislumbro, ambos se iniciando em algo mútuo, torcendo sempre para que bons ventos possam nos alcançar.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Laranja

    A gente tem que parar de querer carregar as mesmas pessoas pro resto da vida. Às vezes, vagando nos pensamentos, eu até acho que cada esforço que a gente faz pra manter alguém que está longe, perto, deveria ser um ano a mais de vida. É muita dedicação voltada a manter a intimidade, tentar alias as duas vidas tão diferentes, e eu não falo só de relacionamentos amorosos. Nem sempre as pessoas querem ser levadas adiante, nem sempre o destino conspira pra que as ruas se encontrem, nem sempre vale a pena o esforço de querer levá-las.
    A metáfora é a de que cada pessoa é uma laranja a se carregar nos braços. Há um número limitado de laranja que nos é possível levar. Há o cansaço de se abaixar para pegar as que, num ato de rebeldia, se jogam lá do alto. Há o fato - não muito aceito - de que, no caminho, muitas apodrecem e você tem que deixá-las no chão, abrindo espaço para as laranjas mais novas, maduras e docinhas.
    Entretanto, a vida, humorista do jeito que é, engraçadona, cheia dos seus sarcasmos fora de hora, vai te colocar num dilema, em frente a um muro alto. Do outro lado, você alcança o que mais deseja. Escolhe, então. Ou você se abraça nas laranjas, senta encostado no muro e chora, ou bota duas, três, nos bolsos, segura uma com os dentes e solta o resto pra escalar e agarrar seu objetivo.
    Sabe-se lá quantos pés de laranja há do outro lado do muro.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Povo da fogueira

    A tal da lua minguante que a gente descobriu logicamente o nome só apareceu de madrugada, mas foi na hora certa. Se ela tivesse vindo antes, iluminaria demais o céu com seu brilho e a chuva de meteoros não se destacaria de maneira tão incrível como aconteceu.
    A fogueira criou um calor a mais no momento, e botou um brilho intenso e diferente no rosto de nós três. As faíscas dançavam no ar, na nossa frente, perto do nosso nariz. Deviam querer encantar as estrelas, mas, nesse bailar, se misturavam a elas e por um momento o céu e o fogo se confundiam, entrelaçavam-se. Ou eram estrelas ou eram faíscas. Ou eram os dois. E mais pra frente o céu também se confundia com o mar no horizonte. Eram três elementos juntos. Tão diferentes mas se dando tão bem.
    Tenho certeza que foi por causa da energia tão boa que algumas estrelas se jogavam lá de cima pra poder sentar no calor da fogueira com a gente. Beber um vinho e ficar falando bobeira. Pensando no futuro, no passado, no presente, no impossível e no mais provável. Num certo momento em que formos postos à prova. Foi a noite de recarregar o peito de energia boa e sentimento do mar, espero que tenha dado certo pra vocês. Me avisem quando acabar, que a gente volta e recarrega, que nem um celularzinho na tomada.



A lua nascendo por entre os fios do teu cabelo,
por entre os dedos da minha mão,
Passaram certezas e dúvidas.

domingo, 21 de abril de 2013

Talvez eu lhe deva explicações

Estrela,
    Sei que seu brilho permanece intacto aí na cidade do sol. Sol, este, que te presenteei há um tempo - fique livre pra entregá-lo a quem lhe preferir -. Sei também que ele afeta a todos os próximos, assim como me afetou por um longo período de tempo. E ainda afeta, posso te afirmar. 
    Sei que consigo sentir a importância das pessoas, e é por isso que acabei por me admirar pelo seu brilho e pelo seu calor. Hoje, já meio longe, aquele lance de "velhos desconhecidos" me parece mais plausível do que antes. Reconheço que meus atos foram um tanto quanto esmagadores, e já me desculpei milhares de vezes, mas nunca senti uma firmeza nos seus perdões em relação ao que houve. Desculpa.
    Se eu pudesse voltar no tempo, eu te guardaria num potinho, bem confortável, com um lacre na tampa escrito: pro futuro. Por quê? Pelo teu carinho mais verdadeiro, pela sua cabeça meio esquecida de si mesma, por todo o sentimento que a gente cultivou. Foi tudo maravilhoso, obrigada. Mas existe aquela de conhecer todas as pessoas do mundo, sonho que nós dois compartilhávamos. E existe aquela dos sentimentos ruins de desconfiança, ciúme, possessividade. Você me ajudou a confrontar esses demônios, esses bichinhos que moram dentro de nós. Hoje não há mutação que me derrube.
    Seria mais perfeito do que foi se nós já fôssemos mais experientes e mais formados individualmente. Se a gente se esbarrasse, assim, daqui a uns 4 anos, você engenheiro de sucesso, eu já orgulhosa na farda - que você sempre questionou, e como isso me irritava! -, e fosse relembrar tudo o que a gente passou. Daí você contaria das experiências na faculdade, eu contaria em como sofri nas sobrevivências na selva. Seria simples.
    Mas, se isso um dia não acontecer, quero que fique um recado meu no seu coraçãozinho: Não se esquece dos sonhos que você teve, e tem. De dar conforto pra sua família, de crescer na vida. Tá escrito, sim, que você vai ser um sucesso, mas a luta por isso só vai te fazer alcançar mais rápido e talvez com maior intensidade. Não se perde nesse mundo grande. Tem muito buraco negro esperando um brilho intenso que nem o seu pra abocanhar. Se cuida. Cuida das pessoas ao teu redor. Não deixa de dar notícias, eu não perdi a mania de me preocupar com você. E não esquece a carteira. Desculpa. Te amo.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Teus roxos

   Sua pele se marca muito fácil, menina. É por isso que você vive com essa pomada de tirar hematomas na bolsa? Basta um toque, de um desconhecido ou de um familiar, e já fica com a pele roxa, quase preta de marcas de uma pessoa que passou rapidamente por você. E as intensidades e colorações variam: Meio verdinho se o apertão foi só pra chamar a atenção. Roxo e azul, pra aquelas pessoas com uma intenção cruel disfarçada pela brincadeira. E preto, bem escuro, daqueles que demoram pra sair, pros que marcaram forte, doído, demoradamente.
   Genética engraçada essa, que fica combinando as coisas com o coração. Sua pele se marca tão facilmente quanto ele. Até o pensamento entra nessa jogada de cores e se marca pelas passagens de "desconhecidos e familiares". Não sei se até seu coração ou o pensamento tem as variações de cores, mas acredito que isso não importa mais a partir do momento em que a marca está ali - marcada -. Existem os que marcam forte no coração, no pensamento e até no braço. Existem os que só marcam no braço. E os que só marcam no pensamento. 
O relevante é brincar com essa metáfora de que você me deixou meio marcado, e esse papo todo é só pra chegar nesse assunto.
    Fiquei todo marcado de você no pensamento por um tempo, até o momento em que você me marcou no braço, na perna e no coração. Meio roxo, meio preto, com umas partes azuladas. Daí, ferrou. Quando marca o coração dá uma dorzinha de estar se entregando. Mas a dorzinha passa e dá lugar prum sentimento bom, tal de amor, paixão, fogo-de-palha, sei lá.
    A marca continua. As do coração são as que mais demoram pra sarar, você sabe. E o pior é que eu não sei se essa sua pomada de tirar hematomas vai funcionar... Eu nem sei se quero tentar.

Declaração

    Eu declaro: Não quero ter filhos! E é o que basta pra que todos ao redor me olhem de queixo caído e me chamem de tola. Que me desculpem aqueles que já os tem (como a minha mãe, e a sua também) mas existem tantas crianças perdidas sem pai nem mãe por aí... Qual o motivo pra colocar mais uma?
    Tá bom, eu sei que é lindo, que ficar grávida é mágico - discordo! - mas não quero, entende? Vai ser a mesma coisa se eu adotar e tratar meu filho como meu. E, se o marido quiser, eu até coloco algumas almofadas na barriga pra ele acariciar. Por que não?
    Quero um neném bem fofinho e gostoso, mas que não seja meu. E vai ser essa a parte boa: dar um bom futuro pra uma criança destinada a não ter tudo o que eu tive. Tipo mudar o futuro.

    Mesmo assim, não adianta. Eu falo, falo, falo. Mas as pessoas continuam dizendo que, um dia!, eu vou mudar de ideia.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Rioceano

    Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano ele treme de medo.
    Olha para trás, para toda a jornada, os cumes, as montanhas, o longo caminho sinuoso através das florestas, através dos povoados.

    E vê à sua frente um oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar.
    Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. Você pode apenas ir em frente.
    O rio precisa se arriscar e entrar no oceano, e somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece.
    Porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas tornar-se oceano.
    Por um lado é desaparecimento e por outro lado é renascimento.
Assim somos nós.
    Só podemos ir em frente e arriscar.



Há de haver Coragem.