segunda-feira, 27 de junho de 2011

Mais um de amor

    Era ele que via ela de longe, e sorria. Era ela que passava por ele e não via. Os dois sempre passavam um pelo outro no parque. Ela, correndo, apressada, pensando nas contas pra pagar, no carro que está com o banco quebrado, com a toalha da mesa da cozinha que manchou. Ele, pensando num jeito dela reparar nele.
    Já lançara piscadelas, sorrisos dignos de um lady killer, já pensara até em jogar um papelzinho com seu telefone escrito. Mas o destino, meu bem, ah! o destino apronta com as pessoas.
    Saindo do carro, ele a vê saindo do caminhão de mudanças e sorri ao motorista. Diz algo como um muito obrigada, seu Fulano. Amanhã a gente se vê. E ela sai, caminhando com suas sacolas cheias de uma vida inteira carregada para uma nova vida. Ele caminha olhando para ela e ela entra na portaria de seu prédio. Ele então sorri internamente, e no mesmo minuto que agradece uma das sacolas da mão dela cai.
    Então, a vida inteira dele passa pelos seus olhos. A primeira namorada, que segurava a mão dele nos recreios do colégio. O primeiro sogro que olhou feio. As noites que passara sozinho e sem ninguém ao lado, e ele nem se lamentou. Preferiu ficar sozinho. Percebeu que era alguém que nem ela que ele precisava. Então, encontrou o seu mito. O único mito que, depois de desmistificado, continuaria sendo algo valioso. Ele apertou o passo e segurou a sacola caída no instante em que ela se abaixava.
    - Eu levo.
    Ela sorriu e agradeceu. Seu cabelo caía de forma delicada e arrumada em torno do rosto. Era um cablo negro e cacheado, que enchia de vida um rosto moreno. Os olhos... Bem, os olhos pareciam seres à parte. Tinham vida e emoções diferentes das da face. Ora estavam abertos, atentos, espertos, ora estavam distantes, perdidos em algum lugar. Seus olhos o seguiam durante o trajeto do elevador. O andar era o mesmo.
    Agora eles eram vizinhos lado-a-lado. E o destino, ah!, o destino ...

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